day by day thoughts

Fragmentos #4

De repente me bateu uma ansiedade injusta. Aquele tipo de espera na qual não podemos mudar — não podemos fazer absolutamente nada. Ficamos sentados, ou deitados, como se esperando que algo mudasse. Ficamos exaustos, atônitos e ao mesmo tempo elétricos. Preocupados com o tic-tac constante do relógio, com a não-pressa do tempo-espaço, com a vaguidão das coisas.

Fragmentos #3

Voltando para casa hoje depois de almoçar, me deparei com um homem e uma mulher sentados numa calçada, próximo de onde eu estava. A mulher estava colocando cimento em algum buraco no chão e o homem sentado ao lado, observando, mão no queixo, olhando para o tempo, enquanto ela dizia algo inaudível para mim. A expressão dela não era das boas, então acredito que estavam discutindo. Eles pareciam ter mais de 40 cada um. Fortes sinais de velhice no rosto, o cabelo dela voava para o rosto e ela, com as mãos sujas de cimento, colocava-os para trás jeitosamente. Parecia estar cansada de tudo aquilo. O homem se levantou e foi em direção à porta. Ela pareceu ter terminado o serviço, também se levantou, pegou o balde e a pá com os quais estava mexendo o cimento e foi em direção a casa. Não sem antes fazer uma expressão de tristeza, de quase choro. Atravessou o portão e fechou-o com força.

Fragmentos #2

Antes de ir ao barbeiro, passei na livraria. Aquelas grandes, que tem no Brasil todo. Subi na escada rolante, entrei, fui direto para a sessão de literatura estrangeira, em especial à estante de livros da literatura russa. No meu mais remoto pensamento ingênuo, achei que algum box do Dostoievski ou Tosltói estariam mais baratos. Todos acima de R$150. Respirei fundo, ali mesmo em pé, com o box na mão. Devolvi-o à estante. Queria ler Crime e Castigo. Ou Ana Kariênina. Não queria recorrer aos livros do Kindle. Depois que se tem um tablet assim, você aprende a dividir as leituras: aquelas que você pode ler no digital e outras que você precisa ter a experiência do papel, do livro em si, do folhear constante. Mas cento e cinquenta reais em um país como o Brasil, em pleno 2019? Foda. Vai ficar para depois. Como qualquer objeto cultural hoje em dia.

Fragmentos #1

Todo mundo já decidiu escrever um livro em algum momento na vida. Ou talvez o correto não seria ‘decidido’, mas pensado, talvez. “Vou escrever um livro sobre essa minha vida desastrada”, etc. A gente tem essa urgência de escrever, como se colocar as coisas no papel fosse uma solução “carta-na-manga” para muitas de nossas angústias. No final, ninguém faz absolutamente nada. Continuamos alimentando nossa frustração diária e dizendo que sim, vou pôr no papel (ou na tela do computador) o acontecimento de hoje para jamais esquecer e livrar de mim tal preocupação.